Apesar de ser mulher de sorriso rasgado e gargalhada fácil - e sonora, que o diga quem me conhece pessoalmente! – não sou fã do humor que, de há uns anos para cá se tornou moda neste (que já foi um) jardim à beira-mar plantado. Os programas ditos de humor aborrecem-me, o recurso à linguagem obscena, como se ser rasca equivalesse a ser engraçado irrita-me e acho ridícula a piada fácil, explícita e tão velhinha que até eu me lembro de a ouvir quando era criança. Como diria alguém que eu conheço, se o português já perdeu há muito a gana de ser mais e melhor e sempre arranjou anedotas para tudo, agora convenceu-se que basta fazer piadas sobre assuntos sérios para ser considerado um analista político e crítico social. Mexer-se a sério só se for no ginásio, em prol da imagem jovem que importa manter porque envelhecer é uma treta e o mundo é dos novos e belos, ou para encher os recintos onde são exibidos em écran gigante os grandes acontecimentos desportivos - leia-se futebol – que os bilhetes para os estádios são caros e assim poupa-se para a cerveja complemento que, como toda a gente sabe, é absolutamente necessário para transformar qualquer evento desportivo - leia-se futebol – numa verdadeira festa, ou não. Levantar o rabinho da cama em dia de eleições, cumprir o seu dever e fazer valer os seus direitos não é com ele.
Acabado o primeiro parágrafo polémico – fosse eu uma figura pública e já estava a receber ameaças de morte por me mostrar tão pouco patriota – e porque acordei temerária, aqui vai um outro não menos controverso. Eu, Maria Alfacinha, confesso sem qualquer pudor que não acho piada nenhuma aos Gato Fedorento. Lamento. Salvo raros e honrosos sorrisos que de vez em quando me conseguiram arrancar, alguns momentos de puro requinte que passaram despercebidos a muitos (eu inclusivé), o polémico mas quanto a mim brilhante e extremamente corajoso outdoor que colocaram ao lado de um outro pago pela amostra de extrema direita que sobreviveu (ou terá renascido?) neste país e que foi quase de imediato mandado retirar, provando que a minha análise sobre a audácia tinha sido correcta, salvo isto e eventualmente mais alguma coisita que me tenha escapado, não lhes consigo achar piada nenhuma. Quando apareceram, logo no princípio, principiozinho, saudosa que eu estava do meu Herman José do “Tal Canal”, “Humor de Perdição” e “Casino Royal” ainda tive esperança de me tornar sua fã, mas não muito tempo depois desiludi-me. Quanto mais eles cresciam em popularidade, menos paciência eu tinha.
Posto tudo isto e como ainda me encontro viva, quero prestar publicamente a minha homenagem aquele que é considerado por muitos o verdadeiro Gato Fedorento, um Senhor (a caixa alta é propositada) dotado de um talento imenso para a crítica, que usa como arma a inteligência e a perspicácia, conjugando tudo com um humor discreto e simplesmente delicioso, provando que não é necessário a constante utilização do insulto gratuito para chamar a atenção do que está mal e ridicularizar seja o que for. Vem este texto a propósito da crónica de Ricardo Araújo Pereira, pois é dele que falo, publicada ontem na revista Visão, intitulada “Um Dia na Vida de um Português em Agosto de 2008”. Benditos 2,80 €! O resto da revista podia vir em branco que eu continuaria a dar por bem empregue o meu dinheiro. Leiam e avaliem. E depois venham-me dizer se eu não tenho razão para considerar que este Senhor vai ficar na História como um dos grandes nomes do Humor (a caixa alta é propositada) em Portugal.
in "O Que Eu Acho Não Interessa a Ninguém"