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Dêem-me uma noite longa, sem tarefas, sem urgências, uma noite escura e imensa sem madrugada no horizonte. Dêem-me umas horas de sossego, sem solicitações, sem compromissos nem deveres. Por uma noite apaguem o meu nome, esqueçam que existo, façam de conta que não sabem onde vivo, escondam o número do meu telefone. Dêem-me uma noite longa, uma noite com horas para muitos dias, horas tantas que me sobrem, que eu possa desperdiçar, gastá-las sem pensar, não as quero guardar, quero usá-las por inteiro, esquecida de todos os que delas precisam, ou que apenas as cobiçam para cumprir horários que não entendo, obrigações absurdas que me exigem mais, cada vez mais, mais empenho, mais apoio, mais disponibilidade, mais, mais, mais.
Dêem-me uma noite longa, mas tem que ser noite, não quero mais um dia útil que de dias úteis tenho a vida cheia. Quero a noite alta, quando todos dormem e ninguém chama por mim. Dêem-me uma noite vazia de propósitos, sem me preocupar com os outros, todos aqueles que ocupam as horas que são minhas, que as controlam, que as usurpam mesmo sem se aperceberem. Dêem-me a noite, não hoje, não amanhã, mas para o resto da minha vida. Fiquem com os meus dias, fiquem com o que já hoje parece ser vosso, a julgar pela forma como chegam e se instalam no meu espaço. Fiquem com o meu tempo que esmiuçam sem pudor, preencham os espaços em branco com questões sem sentido, usem os intervalos das tarefas com as vossas causas que não me dizem nada, que não fazem estremecer o meu coração. Fiquem com todo o tempo que acham que me sobra, que não entendem onde gasto, que há muito acham que desperdiço.
Fiquem com ele sem me pedir.
Fiquem com tudo o que conseguirem usar.
Mas deixem-me a noite.
Deixem-me a noite antes que, um dia destes, eu não tenha tempo para respirar.