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Quando me mudei para o outro lado do Tejo, família e amigos deitaram as mãos à cabeça. Para quem sempre viveu com uma paragem da Carris à porta de casa, o trânsito da Margem Sul é um dos sinais do Apocalipse e a Ponte, a cara-chapada do Anti-Cristo. Não me declararam mentalmente incapaz – lá chegará o dia! - mas não faltaram os piropos habituais com que se costumam brindar os pobres de espírito.
Curiosamente, demonstravam algum alívio porque a Vasco da Gama tinha sido inaugurada havia pouco tempo, o que me divertia até às lágrimas já que os meus trajectos diários seriam efectuados entre Almada e Alcântara, localidades onde a ponte tão mal-amada tem o seu princípio e fim, e a Vasco da Gama atravessa o rio a muitos e muitos quilómetros de distância de qualquer uma delas.
Enfim...!
Viver no outro lado do rio tem um sabor especial para quem ama Lisboa.
Quem atravessa a Ponte sabe que a paisagem é deslumbrante, estendendo-se por muitos quilómetros ao longo do Tejo e, se o ar estiver limpo, muitos quilómetros para o interior. Mas para mim, entrar na cidade num cacilheiro sabe a regresso de férias, sensação que vem da infância quando, chegado o Verão, nos mudávamos de armas de bagagens para a Costa da Caparica. Nós, as crianças e a mãe, porque o pai, cumprindo um destino a que nunca conseguiu (ou quis) fugir, voltava para a cidade todas as manhãs, regressando à hora do jantar depois de mais um dia de trabalho.
Hoje, durante a viagem, esquecida do livro aberto em cima do colo, observando a cidade banhada pela luz branca que a caracteriza, recordando essas viagens, na altura quase épicas, pois a grandeza das jornadas é inversamente proporcional ao tamanho das nossas pernas - facto comprovado (não) cientificamente - deixei-me envolver pela agradável convicção de que quase tudo, ou apenas o que realmente importa, é tranquilamente igual ao que foi ontem e igual ao que será amanhã.
Afinal, talvez o tempo não seja mais que uma ilusão.