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Numa página em branco

por Maria Alfacinha, em 28.08.15

Diz quem sabe que, para se escrever bem é preciso escrever muito.

Escrever, escrever sempre, quase não importa o quê, desde que se escreva, desde que se escreva muito, que se escreva sempre. E quem quer escrever bem, desata a escrever. Escreve aos amigos, à família, histórias para crianças – toda a gente pensa que escrever para crianças é simples... – histórias para a gaveta, inicia diários, cadernos de memórias, qualquer pretexto é bom para escrever, qualquer assunto serve como tema. Se não os esgotarmos tudo corre bem. Isto é, corre bem até ao dia em que relemos o que escrevemos. “Valham-me as Musas... tanto disparate junto. Nada disto tem ponta por onde se lhe pegue. Onde é que eu tinha a cabeça quando escrevi tais enormidades?”


Diz quem sabe que, para se escrever bem é preciso ler muito.

Ler, ler sempre, quase não importa o quê, desde que se leia, desde que se leia muito, que se leia sempre. E quem quer escrever bem, desata a ler. Lê os clássicos, lê poesia, lê ficção. Lê tudo o que se escreve sobre as obras, sobre os autores, sobre a família dos autores. Lê as entrevistas, lê as críticas, lê as contracapas, lê pequenas frases em páginas abertas ao acaso, lê desde o título até à ficha técnica, lê as sinopses, lê tão sofregamente que nem dorme, lê tão depressa que quando o livro acaba tem que voltar ao início para ter a certeza que leu tudo ou tão devagar que cada palavra parece um doce que se saboreia sem pressas. Haja livros e tudo corre bem. Isto é, corre bem até ao dia em que fechamos um livro que nos faz sentir pequeninos: “Valham-me as Musas... nunca conseguirei escrever assim. Era assim que eu queria escrever. Onde é que eu tinha a cabeça quando pensei que o podia fazer?”

Normalmente, a primeira reacção é rasgar tudo o que se escreveu, pegar nos milhentos papelinhos que escondemos por todo o lado e lançá-los ao lume. É difícil não o fazer. Há textos que até nos assustam. Porque estão notoriamente mal escritos, porque revelam pensamentos, gestos, emoções que preferimos esquecer, porque mudámos de ideias, porque não somos originais, porque - quase de certeza absoluta, era capaz de jurar - já lemos isto em qualquer outro lado. Mas os mais assustadores são os que nos desnudam, revelam o que escondemos de todos, os que nos deixam frágeis e indefesos sem as máscaras com que, mesmo inconscientemente, cobrimos a nossa existência. Olhamos a nossa obra e desesperamos, sentimo-nos infelizes, ignorantes, incapazes. E no pior dos cenários desistimos do que queremos.


Valeu-me em tempos - numa outra vida com certeza, pois já nem me lembro quando foi - alguém que sabia o que dizia, e que, exibindo um sorriso que só quem entende o que sentimos nos consegue sorrir, me garantiu que todas as palavras que usámos, inspiradas ou pirosas, todos os temas que explorámos, todos os motes que esbanjámos, todas as personagens que esgotámos, um dia revelar-se-iam importantes, até mesmo essenciais, como se fossem as sebentas das aulas que nunca tivemos, os antepassados das nossas escritas futuras, as fundações de uma casa que queremos erguer e que desejamos sólida e duradoura:

"Só quem não faz, não erra. É preciso apenas Coragem, como em tudo na Vida”.

Hoje sorrio, porque - quase, quase - me acobardo todos os dias... numa página em branco.

publicado às 12:52

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