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Soltaram-se-me os dedos por sobre o teclado, correndo sôfregos como se uma força invisível se tivesse apoderado deles, tentando ganhar terreno aos pensamentos que fogem e se baralham, misturam-se com sensações, sonhos, passado, presente...
As palavras chocam entre si, distraídas, confundidas numa amálgama que as diverte.
Soltam-se. Discutem. Argumentam. Ignoram-me.
Os verbos ganham vida própria.
Conjugam-se sozinhos:
"eu vou, tu vais..."
Param em ti.
Sorriem.
Recomeçam:
"eu quero, tu queres..."
Tu, outra vez.
Riem-se. Perdem-se de riso deles mesmos, e de mim que não os consigo controlar.
Mesmo ao lado, os adjectivos escondem-se dos substantivos.
Querem ser sujeitos, passivos, activos, não sei.
Caem sobre as preposições, que se espalham no monitor.
mediante, conforme, ante, sob, para...
Ali, num canto, as letras dançam ao som de uma orquestra em discurso directo, que não conheço, nunca vi - ouvi? escrevi? - tropeçam na pontuação, querem ser palavras, oferecer-se em frases, despertar ânsias, romper preconceitos, querem tudo, sabem lá o que querem!
E os meus dedos cúmplices - ou cabecilhas da rebelião - alegram-se, saltitam, sorriem-me e desvendam polissílabas fechadas, determinantes possessivos, pronomes demonstrativos, esticam-se imponentes, orgulhosos, vaidosos e declamam ditongos que não existem, revelam artigos que nunca foram inventados, cantam hinos homógrafos, homónimos, parónimos...
Solto uma gargalhada, recosto-me na cadeira, olhos fixos no monitor e deixo fugir um suspiro: valha-me Santa Ortografia que tenho uma gramática à solta nas mãos! Resigno-me. Nada disto é compreensível, nada do que escreva será entendido por alguém.
É uma pena.
Porque por entre estas letras, em orações perfeitamente divididas, está o que sinto, o que quero, mas os dedos não me deixam escrever.