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Loucura

por Maria Alfacinha, em 19.08.15

Imagine que loucura...

Dizem que estou louca.

E eu? Eu rio-me. Rio-me na cara de quem diz que enlouqueci. E quando estou menos cansada, com veia para o teatro, rio-me e canto. A música não importa, é a que me lembrar no momento, a letra é que é sempre a mesma: “Rio-me de me ver tão bela neste espelho...” e depois ainda me rio mais, porque quem me ouve não faz a mínima ideia onde desencantei tal canção. Também não lhes digo. Que procurem, informem-se. Está nos livros, está nos livros. Depois dizem que estou louca. Não a mim. Não nos meus olhos. A mim nunca me dizem que enlouqueci. Sorriem-me, de lábios hirtos, e perguntam-me o que sinto. Se respondo que “estou bem, muito obrigada, e os senhores como se sentem?” entreolham-se e remexem-se nas cadeiras como se eu tivesse acabado de enunciar uma qualquer teoria científica. Tontos... 

 

Já percebi há muito que preferem que lhes minta. Então se inventar amigos invisíveis ou vozes que vêm do céu, nem conseguem disfarçar os sorrisos de quase felicidade. Há dias em que lhes faço a vontade. Naqueles dias que os quero ver pelas costas o mais depressa possível, longe de mim, almas negras em fatos de corte barato e com gravatas de mau gosto que as mulheres lhes ofereceram pelo Natal. Mal vestidos e mal amados, oiça o que lhe digo, que mulher que se preze, que realmente ame o seu homem, não lhe oferece gravatas de poliester descobertas na montra de uma qualquer loja em liquidação total. Dizem que fecham para obras, para renovação de stock. Cá para mim fecham porque as gravatas são horrorosas, e cada vez há menos mulheres que se dão ao trabalho de as comprar para maridos que não amam. Perdem clientela, têm que fechar. Felizmente, digo eu.  E não me venham com aquela história de que gostos não se discutem. Eu discuto! Alto e bom som! Só há dois tipos de gosto: o bom e o mau. Mais nada. Viva o bom gosto! E as gravatas de seda! 

 

Mas eu posso dizer tudo o que me apetece. Sou louca! Diagnóstico confirmado pelas mais célebres cabeças pensantes desta cidade. Louca, L-O-U-C-A, louca, louca! Mas sei soletrar, reparou? Até sei soletrar palavras mais complicadas. Sim, senhora! Não acredita? O-T-O-R-R-I-N-O-L-A-R-I-N-G-O-L-O-G-I-S-T-A, mais conhecido por Otorrino, o tipo que nos trata dos ouvidos e não só. Quem espreita os ouvidos também pode ver a garganta e o nariz... E esta: N-A-B-U-C-O-D-O-N-O-S-O-R, conhece? Nome de imperador. Da Babilónia, pois... esse mesmo, embora, desculpe o atrevimento, mas tenho que a corrigir: foram dois imperadores e não um. É um erro desculpável, não se sinta mal por não saber. Nem sempre nos ensinam o que devíamos aprender, o que é que havemos de fazer?. Mas, ficou com um ar espantado. Ah! Pensava que além de louca, eu era ignorante? Inculta? Ou talvez... burra? Está perdoada. Deixou-se enganar pela cor do meu cabelo. Pois, é verdade: sou loira. Já não me bastava ser louca e ainda por cima sou loira. Ou serei uma loira louca?

 

E sou uma louca de Lisboa... como na canção. Agora tive graça. Ah, ah, ah desculpe... tenho mesmo que me rir. Ah, ah, ah... credo, que até me engasgo! Ah, ah, ah, ah... eu já páro! Juro que páro já. Mas não me olhe assim. Se continua a olhar para mim dessa maneira, eu não consigo controlar-me. Ah, ah, ah, ah… se visse a sua cara… ah, ah, ah... hum…. pronto, já parei. Desculpe, desculpe-me. Não ligue. Não me volto a rir. Prometo. Não à sua frente. Já vi que a perturbo. Vou-me já embora. Aliás, tenho mesmo que ir. Desculpe, desculpe-me sim? Tenha uma boa tarde. E seja feliz. Não se importe com mais nada. Faça tudo para ser feliz. Tudo o que puder. Mesmo que a considerem louca. Imagine que loucura, ser feliz todos os dias....

 

O autocarro parou e ela saiu, oferecendo-me um último sorriso.
Nunca mais a vi.

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publicado às 23:58


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