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Desenhei um jardim num recanto da minha alma. Cansada de Invernos escuros sem esperança de luz, tracei-o em curvas de deusa, repleto de cores brilhantes e aromas doces como só existem em visões de dias melhores. Cansei-me em Agosto, nos dias de calor onde finalmente entendi o que me atormentava. Era Verão e eu ansiava pela Primavera, e foi no silêncio das noites quentes, vazias de intenções, que planeei, sem me aperceber, as flores e os sonhos que queria no meu jardim. Não atentei, então, da presença dos fantasmas que me roubavam o sono. Quase que os via rondando o meu sentir, mas ignorei-os. Não que me atormentassem ou perturbassem as horas que eram só minhas. Estavam apenas ali, como se fossem visitas, hospedes perfeitos de quem nem ouvimos os passos, fazendo-me companhia, protegendo o meu sossego ou desencaminhando os meus gestos. E o Outono passou em dias gastos sem que a memória me trouxesse algo diferente.
Tempos houve em que desenhei outros jardins, projectos megalómanos praticamente impossíveis de realizar por simples mortais, jardins irreais e fantásticos, obras de génios e loucos, que lhes deram vida e coração, tornando-os capazes de sobreviver à curta memória dos povos. Também desenhei jardins mais singelos e comportáveis, nascidos da consciência das minhas capacidades, da pura e simples percepção que um jardim nunca é de quem os cria mas de quem os desfruta, de quem neles se quer sentir bem. E os canteiros encheram-se de plantas que me esforçava por adivinhar serem as suas preferidas, afadigando-me na busca de espécies que nem sabia existirem, na crença de que a felicidade se pode encontrar nos sonhos que não são nossos. Eram belos esses jardins exuberantes nos propósitos, como são todos os desejos de serenidade. Belos mas efémeros que a Natureza não se compadece com o desapego e indiferença.
Por isso semeei um jardim num recanto da minha alma. Limpei a terra, alimentei-a com carinho e deitei-lhe sementes de Primavera. Semeei-o fora de tempo, beijado por um Sol que ainda não o consegue aquecer, contrariando o saber de quem fez das flores, da beleza, a sua missão na vida. Mas nestes longos e escuros dias de Inverno, quando o frio se agarra à minha pele e me relembra pela dor todos os pedaços de mim, basta-me fechar os olhos para saber que um dia, um dia destes, muito em breve, como se fossem borboletas abandonando o casulo, serão estas as sementes que colorirão a minha existência.