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Gosto de chuva, de dias cinzentos, do barulho que a água faz quando bate nas janelas ou ressoa no tejadilho do carro. Gosto de acordar a meio da noite e aperceber-me daquele “pingo-que-pinga” no parapeito da janela, reconhecer os diferentes ecos, aquele é o balde que já está cheio, este outro são as folhas do limoeiro, mais ao longe a tampa do caixote de lixo. Enrosco-me de pequenina. Sabe-me a colo de mãe, a canção de embalar: “O meu menino é d’oiro, é d’oiro fino...”.
Gosto de acordar pela manhã e ver os vizinhos escondidos debaixo dos chapéus-de-chuva - os guarda-chuva lá para o Norte - as corridas mais ou menos desajeitadas para a paragem do autocarro, os impropérios sussurrados porque os sapatos não são próprios para tal manhã, as crianças que insistem em não andar mais depressa apenas porque está a chover - o que é que isso tem? calçaram-lhes as botas amarelas, servem para isso mesmo, para andar dentro de água, fazê-la saltar em rodopios molhados, porque é que hei-de correr quando posso brincar aqui mesmo?
Gosto de abraçar nas mãos uma chávena de café, e ficar a contar os círculos desenhados pelas gotas de água, quando caem na poça que sempre se forma nas traseiras do quintal, confundir o som do chuveiro com o da chuva lá fora, distrair-me com a dança das plantas, sempre diferente, sempre nova, vergadas pelo impacto da água, os pardais que sacodem as penas, abrigados por baixo de uma folha que parece tão pequena como eles. Gosto de procurar a capa, que cheira a borracha, 3 números acima para poder cobrir qualquer quantidade de roupa que necessite vestir, as botas subidas que me aquecem os pés - ou faço como as crianças? calço as galochas e vou patinhar em todas as poças, brincar com o cinzento do dia e colorir a rua com as minhas gargalhadas? - Ai não posso, sou crescida, tenho horários, responsabilidades. Quem entenderia se eu chegasse tarde porque a chuva me tinha desafiado ? Mais vale dizer mal do trânsito, do S. Pedro ou até do Governo. Os adultos ouvem melhor, aceitam as falhas com menos relutância, se nos queixarmos, se apontarmos os defeitos de algo ou de alguém.
A verdade é que me atrasei porque estive a namorar a chuva, saltei em todas as poças do meu caminho e deixei que a água me despertasse o sorriso. E quando cheguei disse mal do tempo, que o trânsito estava um caos e que o novo orçamento de estado é um desastre completo. São adultos, com horários e responsabilidades. Entenderam. Relevaram. E eu vou passar o dia a sorrir o meu segredo...