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Como adoradora de livros, sou fã de livrarias e de Bibliotecas.
Tenho a sorte de ter duas perto de mim, uma ao pé de casa e outra ao pé do emprego. A primeira, dado os meus horários estranhíssimos, praticamente já não a frequento, mas a segunda faz parte dos itinerários das minhas horas de almoço. Uma das vantagens de ir buscar livros às Bibliotecas, além de me poupar dinheiro – que em abono da verdade eu não tenho para gastar – é o facto de muitos deles terem feito parte de colecções particulares e trazerem consigo um pouco da história de alguém que já o possuiu. São os livros que trazem marcas das passagens preferidas porque se desfolham quase sózinhos - demonstrando claramente que estiveram muito tempo abertos em determinada página – ou que têm desenhado um vinco no canto da folha, onde a leitura foi interrompida. Confesso que gosto de tentar adivinhar a forma como foi usado, a quantidade de páginas que leram de cada vez que lhe pegaram, o porquê da preferência por determinado excerto ou capítulo. Gosto principalmente de o fazer depois de o ler, quando já conheço o enredo, tentando encontrar semelhanças ou diferenças, num exercício combinado de fantasia e análise pseudo-científica, como se fosse um qualquer detective em busca de indícios para a resolução de um qualquer mistério.
A minha predilecção, no entanto, são as dedicatórias. São duas histórias numa só página: a de quem ofereceu o livro e a de quem o recebeu. Normalmente têm nomes, datas, justificações e sentimentos, sempre muitos sentimentos. Ah, perco-me com dedicatórias... Há dias, encontrei nos “Contos Vagabundos“ do Mário de Carvalho, esta que transcrevo, omitindo apenas os nomes, por algum pudor para com quem a escreveu:
“Meu A. lindo,
Evocação, simples mas profunda, do dia 5 de Maio de 1987, hoje que se comemoram 14 anos de vida em comum, cheia de momentos felizes, algumas surpresas, muita paixão e um eterno encantamento.
B.
5 de Maio de 2001"
Sem explicar porquê, indaguei da data de entrada no espólio da Biblioteca: Agosto de 2002. Foi o suficiente para me distrair dos meus propósitos de leitura. Como é que, tão pouco tempo depois da evocação, tal receptáculo de sentimento é despido na praça pública? Que se terá passado entre o A. e a B.? Porque é que o A. não o conservou? Será que a B. sabe que a demonstração do seu carinho, anda agora a ser comentada senão por todos, pelo menos por mim? Que aconteceu aos 14 anos de vida em comum? Para onde foi a paixão e o encantamento que se pensava eterno?
E enquanto me esforço por esquecer a dedicatória e concentrar na leitura do livro, escrevo mentalmente uma nota para mim mesma: antes de doar a minha biblioteca pessoal – algo que está nos meus planos desde sempre - separar os livros que têm dedicatórias. Se não houver ninguém na minha vida que os saiba preservar, prefiro mutilá-los e arrancar a página onde alguém demonstrou o quanto gostava de mim....