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Creio firmemente que as palavras têm uma alma própria. Escritas ou faladas são muito mais que simples conjuntos de caracteres ou sons com significado. Vivem para além de quem as escreve ou de quem as lê. Têm cor, cheiro e sabor. Possuem uma luz que só os mais abençoados conseguem descrever. Tocam-nos. Provocam-nos. Despertam-nos sentidos e convicções que nem sabíamos possuir. Riem-se de nós, mudam-nos a vontade e desentorpecem-nos o querer. Há palavras negras, rosa, laranja, de todas as cores. Há palavras com cheiro a terra molhada e sabor a algodão doce e palavras fétidas que soam a dor. Há palavras que nos embalam ou que nos repelem, que nos enojam ou que nos aquecem. Há palavras para tudo o que nos possamos lembrar. As que nos esclarecem, as que nos confundem, as que nos consolam, as que nos sacodem, as que nos afligem, as que nos fazem sonhar e até há palavras por inventar, por nascer, por criar.
Benditas palavras. São parte do meu corpo, alma e coração. São razão quase-quase suficiente para sorrir, para sentir. São essenciais, indispensáveis, imprescindíveis à minha sanidade mental. Sem palavras não sou Eu. Sou apenas Alguém. Perco a identidade, perco o Ser, perco a memória e a capacidade de desejar. São o meu Ar. Benditas palavras! Benditas até quando parecem malditas. Porque as palavras têm essa capacidade imensa de se transformar naquilo que quisermos entender. Fazem-me lembrar pequenos camaleões quando se adaptam aos olhos de quem as lê, às circunstâncias, ao momento, dotadas de quereres e sentires diferentes no tempo, no espaço, as palavras têm uma magia própria, um sentir, um querer. É nelas que revejo os amigos, os amores, os risos, as memórias de uma vida que nem sempre vivi. Mas é também com elas que resguardo o peito, disfarço as lágrimas e as dores e embalo os sonhos que ainda não perdi, que receio perder, os sonhos pelos quais sou capaz de morrer. E são elas, as palavras, que - tantas e tantas vezes! - me conservam a razão.
Ah, perca tudo o que há para perder, mas que não perca as palavras onde guardo o que sou. Na estrada da vida é a bagagem que não me pesa, é em mim vida e cor e musica e amor. E se alguém se cruzar comigo e quiser saber o que trago para dar, com toda a verdade posso responder: “São palavras, Senhor, são palavras”