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Museus de Lisboa

por Maria Alfacinha, em 26.01.15

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Herdei do meu avô materno - dizem, que eu não me lembro - o gosto e a capacidade para ouvir 3 conversas ao mesmo tempo, o que, se em mim ninguém estranha, nele era uma característica surpreendente. Nascido na Cedofeita e criado lá para os lados do Bulhão, aprendido o ofício de sapateiro, desceu um dia à Capital no cumprimento do serviço militar e aqui ficou, enamorado de uma chapeleira alfacinha, pequena e rabitesa, e se fez Mestre com cargo a condizer no Arsenal do Alfeite. Homem sisudo e de poucas falas, graças ao seu talento tornou-se artista por conta própria, bastando-lhe um olhar aos modelos vindos da "estranja" para os copiar na perfeição, o que lhe granjeou tal fama que, diz-se, as sapatarias da Baixa fechavam as montras quando o viam aproximar-se.

Mestre sapateiro e a sua chapeleira instalaram-se na Graça, às portas do Castelo, com janelas viradas para um Pátio das Cantigas, onde entre disputas bairristas e vidas de sacrifício, não faltava animação. Aí criaram duas filhas, sem luxos mas com desvelos, conseguindo, à custa de muitos serões de trabalho para gente de maiores posses, pagar-lhes os estudos, modestos sim, mas que lhes permitissem profissões honradas já que não tinham herança maior para lhes deixar além do gosto pelos livros, de Ferreira de Castro, Herculano e Camilo a Victor Hugo - cujos "Miseraveis" tinham sempre o dom de fazer chorar o meu avô - e o gosto pela História aprendida em todos os museus da cidade.

E é nos museus que eu recordo o meu avô.
Muito pequena ainda, numa idade em que tudo era grande para mim, lá vinha ele buscar-me pela mão para corrermos a cidade, de Sta. Apolónia a Belém, de sobretudo ou não, mas sempre com o seu chapéu de feltro, parando em cada monumento, explicando cada pormenor, franzindo o sobrolho para manter o respeito e evitar assim as correrias de uma menina irrequieta. Como eu gostava desses passeios a dois, onde imperava a paciência, a voz calma e pausada, as palavras que eu bebia como se fossem contos de fadas, tantos heróis, tantos dourados, reis de bigode e rainhas anafadas e uma tal de República que eu reconhecia o busto e não entendia quem era, mas que devia ser importante pela forma como os olhos do meu avô brilhavam.

Pouco mais tinha crescido, quando ele adormeceu para sempre. Talvez as minhas recordações sejam apenas imaginadas ou construídas a partir de relatos de memórias que não as minhas. Seja qual for a verdade, certo é que, ainda hoje, são os museus de Lisboa que me fazem recordar o meu avô...

 

in "Histórias de menina"

 

publicado às 14:53

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