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Querer crer

por Maria Alfacinha, em 01.04.15

Acreditar-e-confiar.jpg

Não sei viver de desamores. Não consigo. Não consigo viver na angústia da dor, enrolada em mim mesma, lambendo feridas, esgotando-me em insónias. Cumpro o meu luto. Preciso de ficar só, perceber onde errei, onde voltei a errar. É a minha primeira fase: culpabilizar-me. Culpo-me sempre, mas não é assim com toda a gente?”

As tuas mãos não páram, inquietas, brincando com o maço de tabaco, vincando-lhe as arestas,
rodando-o em cima da mesa, batendo  ritmadamente todas as faces, num eco oco e surdo
como se te servisse de metronomo, marcando as palavras.


“Talvez não seja bem assim. Há quem ache que a culpa é sempre do outro. São sempre os outros... O que é estranho quando os casos se repetem, não achas? Se somos sempre nós os abandonados, os que choram, os que sofrem, será que o mundo está cheio de filhos-da-mãe? Os outros, claro! Tenho para mim que somos nós que escolhemos sempre o mesmo género, somos nós que escolhemos sempre os filhos-da-mãe. Prefiro pensar assim. Até porque detesto a teoria de que os homens são todos iguais. Ou as mulheres, que para o caso não interessa a versão. E é claro que é uma teoria falsa, uma afirmação ilógica, quanto mais não seja porque é geneticamente impossível: não há duas pessoas iguais.“ 


O teu olhar atravessa a montra mesmo ao nosso lado e perde-se momentaneamente no movimento da rua. Tento adivinhar o que procuras - se é que procuras alguma coisa - entre as pessoas que passam indiferentes.
Sorris para mim como se tivesses ouvido o que eu pensava e e
ndireitas-te, novamente na cadeira.


"Choro, culpa, revolta... Depois de me convencer que sou responsável por todos os problemas do mundo, procuro defeitos no outro - não sou perfeita, ninguém é perfeito! - e normalmente percebo que já os conhecia desde o início da relação. Apenas achava que era capaz de os aceitar, como parte de um todo. E é apenas nessa altura que entendo que há defeitos que são verdadeiramente defeitos, não são apenas características aceitáveis na diversidade, não são apenas diferenças culturais, de educação ou seja lá do que for. Nem sempre é fácil aceitar esta conclusão, o que me leva à fase seguinte: a do insulto, o auto-insulto! Que estúpida! Queixas-te de quê?"


Soltas uma gargalhada.


"É o início da cura! Eventualmente acabarei por me perdoar, mas naquele momento é importante que não o faça. Recolho então todos os sinais, todos os presentes, todas as cartas, tudo o que ficou espalhado pela minha casa, pela minha vida, guardo tudo numa caixa e escondo-a. Acaba-se o luto, seco as lágrimas e corro com a dor, nem que seja à força." 
Esboças uma careta e respondes ao meu sorriso: "Eu sei... não é tão fácil assim, mas que mais posso fazer? Viver infeliz? Esquecer o que quero? Aquilo em que acredito? Porque eu não deixo de acreditar, sabes? Cada vez menos, é certo, mas não deixo de acreditar. Não posso deixar de acreditar. Não posso. Quero crer!" 


Acendes finalmente o cigarro por que tanto ansiavas.

Sopras o fumo para o ar, devagar e longamente,
observando o tecto como se o decorasses.


"Preciso de acreditar nas pessoas. 
E preciso de acreditar no Amor. 
Porque o Amor existe, eu sei que existe! 
Parece é que não sabemos o que fazer com ele..."

in "Leitaria do Bairro"

publicado às 15:11


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