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Há muito, muito tempo, havia uma menina chamada Maria, que vivia numa cidade chamada Lisboa. Tinha 7 anos, acabadinhos de estrear. No último mês, a sua vida tinha sido virada de pernas para o ar, como acontece nos livros de histórias e não é suposto acontecer na vida real. O Natal estava a chegar e uns amigos dos pais, convidaram-nos para celebrar com eles a época, numa aldeia pequenina chamada Fiais da Beira, onde tinham uma casa muito antiga de que a Maria tinha uma vaga memória de ter ouvido falar. Aceite o convite, lá se preparou toda a família para a (na altura) longa viagem até tão remoto destino. Da jornada a Maria nem se lembra, mas da chegada... ah, que memória deliciosa. A noite caíra, e não havia candeeiros na rua como na cidade onde vivia. Os donos da casa tinham vindo recebê-los ao portão de lanternas em punho. E o frio, o frio era tanto, que o pequeno nariz da Maria parecia querer estalar de tão gelado. A Tia Zézinha – era assim que todos a chamavam – de riso franco e colo enorme, tinha-a ajudado a subir as íngremes escadas e abrira-lhe a porta para uma cozinha que Maria pensava só existir nos contos de fadas: uma divisão enorme e quente, iluminada apenas pelo lume que cantava na maior lareira que ela alguma vez tinha visto. E enquanto comia a malga de sopas de pão que lhe colocaram à frente, Maria pensava que ali, de certeza absoluta, o Pai Natal se sentia em casa.
Foram dias mágicos esses. Para uma menina da cidade, qualquer insecto ou cogumelo selvagem era motivo de alegria. A Tia Zézinha era uma verdadeira Tia Natal, passando o dia a inventar novas decorações, ensinando-a a apanhar musgo para o presépio e a cortar a massa das bolachas - que tendia em cima da mesa comprida forrada a plástico - em forma de estrelas e luas e corações. As refeições eram muito animadas, porque havia sempre gente a chegar, primos distantes que estavam de passagem, vizinhos que vinham do campo ou de tratar dos animais e para quem havia sempre uma bucha, uma mão cheia de nozes - ou algumas das muitas bolachas que Maria cortara - e uma malga de café quente e com muito açúcar amarelo, servido de uma grande e velha cafeteira que estava sempre ao lume e parecia nunca se esgotar. E à noite, já em pijama, era a hora de uma história de tempos antigos contada em frente à lareira, em voz doce e com final feliz.
Chegara assim a Noite de Natal. Obrigatória seria a Missa do Galo se Maria tivesse idade para se deitar tão tarde. Em Lisboa, o Pai Natal chegava de madrugada e por isso os meninos tinham que se deitar cedo. Mas ali, numa aldeia tão longe de tudo, ele passava logo a seguir ao jantar - ou não teria tempo para fazer tudo numa só noite - e para o deixar à vontade, fecharam-se as portas da cozinha e sentou-se toda a família na sala de dentro, cantando bem alto para que o Pai Natal soubesse onde estavam todos os meninos da casa. Até que alguém disse que ele já tinha saído e abriram-se as portas da cozinha. Bem ao lado da lareira, estava uma boneca enorme de laço na cabeça, mas Maria nem hesitou e correu para a porta da rua de olhos postos no céu escuro. E foi com o coração a bater que ela viu, subindo em direcção à lua, num trenó brilhante, conduzido por renas, um velhinho barbudo que lhe acenou dizendo - ainda hoje Maria recorda a sua voz:
“Feliz Natal, Maria! Feliz Natal!“
in "Histórias de menina"