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Finais felizes

por Maria Alfacinha, em 12.03.16

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Tínhamos acabado de chegar do cinema e a amena cavaqueira sobre o enredo do filme e a interpretação dos actores, deslizara para o eterno tema do Amor-Dor: “Mas como é que as pessoas poderão saber o que é amar se não o fazem por medo de sofrer?”  Sentámo-nos. “Será porque receiam que a sua história não tenha um final feliz?” perguntei eu enquanto pedias os cafés. Olhaste-me pensativa: “Será? Já decidi há muito aceitar o que de bom me acontece sem questionar, sem dúvidas, receios ou antecipações, ou devo antes dizer...” – sorriste – “previsões?... de finais infelizes.” Não consegui disfarçar o sorriso irónico: “Infelizes? Porque não felizes?”  Levaste a chávena à boca e quase te engasgaste quando te perguntei: “Desde quando te tornaste uma descrente?”  O teu tossir, não te conhecesse eu, poderia ser interpretado como uma forma de ganhares tempo, mas a tua ânsia na resposta não levantava dúvidas: “Descrente? Eu? Não, não! Não é nada disso...”  Pegaste no meu copo de água e bebeste um golo rápido: “Só acho é que o conceito de final feliz de que tanto se fala não é verdadeiramente... feliz.”


Remexeste-te impaciente na cadeira: Que são afinal os finais felizes? O castigo dos maus e o prémio para os bons? O casaram-e-foram-felizes-para-sempre como normalmente acabavam as histórias de fadas? E os outros? Os outros finais?  Não há outros finais felizes? O privilégio de viver um Amor não será uma história com um final feliz? Diz-me...” – e o teu olhar denunciava a resposta que já imaginavas – “o filme que acabámos de ver... teve ou não um final feliz?” Hesitei antes de responder: “Bom... os amantes não ficaram juntos, ela casou-se com outro e é razoável pensar que as suas vidas nunca mais se cruzarão. Não sei se pode ser considerado um final feliz.” A tua face abriu-se num sorriso imenso e luminoso: “Pois eu acho que sim! Mesmo sabendo que nunca mais se vão ver nem tocar. Que seguirão caminhos diferentes, ditados pelas circunstâncias e não pela vontade. Mesmo sabendo que não terão uma casa com jardim, 2,5 filhos e um cão, mesmo sabendo tudo isso” – e suspiraste um sorriso – “eu acho que teve um final feliz!”


Bebes o café de um trago e continuas: “Quantas pessoas conhecemos que viveram algo assim nem que fosse uma única vez na vida, uma única noite, um único encontro, uma única troca de olhares que faz balançar as nossas convicções, o sentir algo que nos faz pôr em causa tudo o que construímos, tudo aquilo porque lutámos, em troca da possibilidade de conhecer uma felicidade que apenas os poetas mais inspirados conseguem cantar em rimas, sonetos e odes, que apenas os mais dotados mestres da palavra conseguem desenhar na mente do leitor mais desatento? Quantas? Algumas? Poucas? Nenhumas?”

 

Quando defendes as tuas crenças tornas-te maior, exagerada, brilhas como se irradiasses energia, tornando quase impossível não ver o que tu vês ou não acreditar no que acreditas. Alturas há em que parece que já não falas senão contigo, que apenas ordenas o que te vai na mente, no coração, pouco te importando se te oiço, embora me olhes fixamente procurando a minha reacção: “Mas não será essa a única forma de viver um grande amor? Não será esse o Santo Graal do coração humano? A descoberta da nossa alma gémea, a peça do puzzle que nos completa, a tal metade que nos engrandece, que nos torna mais fortes e curiosamente mais frágeis porque dependentes do outro? E se for essa a verdadeira história de amor com final feliz? A que apenas se vive e nunca tem fim? Se o Amor for verdadeiro e sinceramente vivido, como poderá alguma vez ter um final infeliz? Ou um final, sequer?"

 

E abrindo os braços num gesto teatral, remataste triunfante:

"A true love story never ends..." 

in "Leitaria do Bairro"

publicado às 14:59

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