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Desde que me lembro que faço parte dos alfacinhas que acha que a Costa de Caparica é a praia de Lisboa. A Linha do Estoril era usada para o passeio dos tristes dominical, mas a então vila era sinónimo de férias e muito espaço para correr. Aliás, a Costa de Caparica era tão minha que foi lá que dei os primeiros passos, corria o Verão de 61, no já desaparecido café Costa Nova, pela mão da D. Irene, que me permitia todas as liberdades, desde o entra-e-sai constante na cozinha para falar com o papagaio, até aos jogos de escondidas dentro das vitrinas vazias onde, já mais crescida, aproveitava para brincar às lojas e aos clientes. Nos primeiros anos, instalávamo-nos numa casa bem no meio do Bairro dos Pescadores, ao lado do Daniel das Bolas Novas, o que equivale a dizer que a minha memória desses tempos é de acordar com o cheiro a bolos quentes e açúcar e adormecer profundamente depois de um dia de animada brincadeira, rematado com o passeio nocturno na Rua dos Pescadores, entre a praia e o largo do Mercado. Quando entrei para a escola, as férias grandes – que na altura eram realmente grandes – eram passadas na FNAT, hoje INATEL, onde, como em qualquer boa colónia de férias tínhamos direito a altifalantes que nos brindavam com música e notícias da Emissora Nacional, avisavam que era a hora de nos dirigirmos ao refeitório, de fazermos a sesta ou de nos deitarmos, anunciavam crianças ou objectos perdidos e chamavam os veraneantes ao telefone, algo que provocava sempre alguma comoção.
A praia era obrigatória logo de manhã, sob o olhar vigilante do famoso Tarzan - que mais do que uma vez espremeu os meus pobres pés tão apreciados pelos peixe-aranha - e onde, para nos fortalecermos para o Inverno, era quase obrigatório o banho no mar, o que, para quem conhece a temperatura da água daquela zona, nem sempre era uma aventura agradável. Mas a praia tinha outros atractivos, além das Bolas Novas: um espectáculo de fantoches com cabeça de madeira, manipuladas atrás de um biombo pintado com o nome da companhia e cenas das histórias que contavam, ou simples saias de chita, e que se chamavam Robertos. Numa única manhã, eu era capaz de ouvir a mesma história tantas vezes quantas as que conseguisse fugir ao controlo adulto, para os seguir na sua digressão ao longo das diversas praias. E mesmo repetidas vezes sem conta, as histórias dos Robertos não perdiam o seu encanto. As personagens eram variadas, consoante as histórias desse dia, mas normalmente havia o rapaz – que podia ser um forcado - a rapariga – que podia ser uma princesa - a figura paternal - que podia ser um caçador – o toureiro e, é claro, o touro, não esquecendo o polícia, o fantasma e até a morte. E traziam sempre consigo um pau, uma frigideira ou uma vassoura com que, a dada altura, haviam de se agredir. Falavam com uma voz estranha, abusavam dos erres, conversavam com o público - agradecendo até os avisos que lhes gritávamos - e polvilhavam os diálogos com grandes e sonoras cabeçadas que nos arrancavam gargalhadas na directa proporção do barulho que produziam. No final, um dos artistas passeava por entre quem assistia, de chapéu na mão, para recolher o pagamento, e eu fazia render as moedas de tostão que me tinham dado, pelos espectáculos todos que tencionasse assistir sempre na esperança de apertar a mão a algum dos fantoches.
Graças aos Robertos a praia era um sítio (ainda mais) animado.
E (também) graças a eles, todos os Verões eu tinha o chapéu mais feio e berrante de toda o areal da Costa de Caparica. Era a forma mais fácil de me identificarem cada vez que eu desaparecia...
in "Histórias de menina"