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Hoje lembrei-me de ti assim que acordei.
Não por ser o dia do teu aniversário - claro que foi por causa disso... - mas porque tentei imaginar a tua vida, aquela que não conheço, a que não confessaste a ninguém, a que escondeste dentro de ti por mágoa ou vergonha, a que guardaste em segredo porque talvez achasses que era só tua, talvez porque tentaste fazer tudo correctamente e percebeste que a vida não é perfeita, talvez por não quereres admitir que erraste, ou quem sabe para te castigares por isso. Se calhar para guardares um resto de fantasia, longe da monotonia dos gestos sempre iguais, das tarefas a cumprir, dos papeis que tiveste de desempenhar. Um local secreto onde guardaste os teus sonhos.
Sonhos, sim, sonhos! Sei que sonhaste um dia - não sei quando, mais um daqueles assuntos de que nunca falámos - mas tenho a certeza que sonhaste. Com uma vida risonha, um amor perfeito, filhos lindos como mais nenhuns, uma carreira... Ponho as mãos no lume e não me queimo quando digo que sonhaste. Vejo nos teus olhos quando encontro fotos em que estás a sorrir. As mais recentes, que foi preciso chegares à Idade Maior para te deixares fotografar. Não... também sorris nas poucas fotos da tua adolescência. E na do dia do teu casamento. Sim, deve ter sido um dia muito feliz para ti. Ou naquela outra dos teus primeiros anos de casada, já mãe, a acampar, elegante como uma estrela de cinema, de camisa e calção branco, a posar junto da tenda. Sorrias e suspeito que nos lábios corava um pouco de baton. Sonhaste, sim. Claro que sonhaste.
Foi por isso que me lembrei de ti assim que acordei. Como é que sobreviveste aos sonhos que não cumpriste? Como é que conseguiste suportar a desilusão? Como é que apagaste as dores que te amachucaram a alma, que te roubavam o sorriso, tornando-o por vezes ainda maior? Como é que se passam anos e anos e anos de gestos sempre iguais e tarefas a cumprir e papéis a desempenhar e se tem vontade de viver? Onde guardaste os planos que fizeste, os objectivos que não alcançaste, os enganos, as mentiras, a confiança que já não sentias? Porque é que ficaste? A que é que te agarraste para não desistir?
Já sei, continuo difícil. Há coisas que não mudam nem com a idade.E também sei que as mães não têm todas as respostas - não precisas repetir - e que a vida não traz um manual de instruções e outras pérolas que recitavas na tentativa de me calar. Perdi a conta às vezes que te ouvi lamentar que ser mãe não é fácil, mas também não consigo contabilizar todas as vezes em que te fiz rir. E conta por conta não sei se alguma de nós ficou a perder, porém a Matemática também nunca foi o meu forte...
Dizem que hoje farias 91 anos.
Para mim fazes hoje 91 anos, que enquanto eu for viva vais sempre cumprir mais um ano.
Feliz aniversário, mãe.
Já te disse que me lembrei de ti assim que acordei?
Pois lembrei...