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“Conta-me uma história...” pedia eu quando era menina e precisava espantar a suspeita, que a vida não era o mundo encantado das canções de embalar. E o meu pai, sentava-se na cadeira perto da minha cama, puxava os cobertores cobrindo-me os ombros, que eu insistia em destapar, e em voz dormente, relatava-me as desventuras de um tal príncipe Edmundo, que no dia do aniversário se tinha visto transformado em veado, pela Bruxa Má do Bosque do Reino, furiosa por não ter sido convidada para os festejos. Era uma história tão longa, tão cheia de pormenores desnecessários, que a minha vontade quebrava e o sono vencia a curiosidade do final.
Nas tardes de Inverno, quando o céu rugia e o meu mundo ficava fechado entre as paredes da casa, cansada de jogos e lápis de cor, na ânsia de razões para novas viagens, procurava a minha mãe e pedia-lhe baixinho: “Conta-me uma história...”. E ela, dobrando a roupa ou fazendo o jantar, repetia-me as aventuras do Lobão e do Lobinho, da Mãe Pata e do Patinho, da Avó Gata ou do Tio Leão, todos personagens que viviam na Cidade dos Animais, histórias tão parecidas com as que preenchiam os meus dias, que me faziam quase acreditar que era eu que as estava a contar.
De quando em vez ainda peço: “Conta-me uma história...” Tantos anos depois, ainda o peço, nas noites doridas de mágoas e cansaço, quando não me apetece ser crescida, quando não quero antecipar o dia que, inevitavelmente, irá chegar. Não importa o enredo, muito menos o final, que eu só quero adormecer antes dela acabar. Só me interessa a voz, a cadência, o embalo. E por isso repito, uma e outra vez, como quando criança não desisto, evito explicações e peço baixinho: “Conta-me uma história...” E fechando os olhos - para ouvir melhor - começo: “Era uma vez...”
Sei que, assim, os meus sonhos serão felizes.
É que nos meus sonhos, em mim, fervilham milhentas histórias por contar...
in "Histórias de menina"