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Não sou filha única, mas por vezes pareço.
Talvez (também) por tudo isto sempre fui alguém que lida bem com o estar sozinha. Não me assusta, nunca me sinto só por estar só. Normalmente, quando isso acontece há uma multidão à minha volta. Há sítios onde me sinto só. Entre gente que não me diz nada, no meio de conversas ou gestos de que não entendo o propósito. São lugares ou situações que me fazem entender a solidão. Como se fosse uma estranha em terra estranha, como se não conhecesse a língua, os hábitos ou os costumes. São alturas em que me pergunto mentalmente o que estou a fazer ali. Não é o ser ignorada - algo que raramente me acontece - que me afecta, é o pronunciarem o meu nome, reconhecerem-me as feições e não saberem quem sou, julgarem-me pelo que aparento, pelo que é suposto ser. E quando isso acontece tenho um truque que uso desde miúda. Por muito presente que eu pareça estar, a minha mente foge para locais que mais ninguém conhece, os meus sótãos, os meus refúgios. Entretenho-me a imaginar a vida de quem está presente, interpreto os tiques e os trejeitos, a forma como anda ou como se senta. Atento nas conversas, nas opiniões, no calor ou frieza com que defendem causas ou comentam notícias. Procuro gestos que os humanizem, que desvendem a pessoa que está por trás da gravata ou da jóia, até tudo se tornar demasiado cansativo ou desinteressante. Aí, fecho a porta do sótão e instalo-me naquele sofá velho, mas muito confortável, a ler o livro que um dia vou escrever.
Gosto de estar comigo e deve ser por isso que não sei o que é a solidão. Não pensem, no entanto, que é uma relação feita no céu. Lido comigo como se fosse uma outra, sou exigente e amiga, educadora e mãe. Permito-me o não crescer mas não admito a fuga às responsabilidades. Obrigo-me à disciplina e deixo-me preguiçar. Suporto os disparates e concedo-me tempo para chorar. Respeito o espaço que deve ser só meu e partilho o que quiserem aceitar. Zango-me comigo mesma e perdoo-me (quase sempre) os erros que cometo. Sou complicada e divirto-me com isso. Descubro razões para sorrir em quase tudo e imponho-me a gravidade necessária ao que é sério. E tal como as portas da minha casa, tenho sempre as portas da minha vida abertas para quem quiser entrar. Basta deixar na soleira a inveja, a mentira e a hipocrisia. Não me sinto só quando estou só, mas adoro uma boa companhia.