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Começa serenamente, sem ruído ou sobressaltos. Esquecem as chaves da casa ou os óculos. Perdem o tino onde ficou a carteira. Não pensam nisso. Acreditam que é normal, a idade começa a pregar-lhes partidas. Organizam estratagemas para evitar dissabores. Repetem os mesmos gestos e estabelecem uma rotina que os tranquiliza. Percebem que estão a perder faculdades, pela primeira vez acreditam que estão a envelhecer. Conscientes da mudança surgem os momentos que se crêem ser os mais difíceis: entender que falham, notar que os outros se entreolham, que lhes sorriem mais do que é habitual, atitude condescendente e perfeitamente desculpável mas que os revolta ou os empurra para cada vez mais largos períodos de depressão. Lenta, mas com uma velocidade estonteante para quem assiste, os sintomas acumulam-se, as reacções são imprevisíveis, diferentes de um dia para o outro. Até que isso já não os preocupa. E é nesse momento que, quem os rodeia, quem os ama, aprende dolorosamente que esta é uma estrada com apenas um sentido.
Então lemos tudo o que nos possa explicar ou ensinar. Procuramos médicos, associações, gente que sabe do que falamos. Descobrimos que não há uma receita, cada caso é diferente e que só podemos viver um dia de cada vez, tentando e principalmente tendo esperança que seja tão bom como o anterior. Porque não há cura, não há melhoras. Amanhã a doença estará mais forte, terá progredido um pouco mais. Depois de amanhã mais ainda. É uma doença estranha. Não causa dor ou lágrimas a quem a tem. Rouba o Ser, não a Vida. Mas é extremamente difícil de aceitar e lidar para quem assiste. Passamos a encarar as dificuldades de outra forma. Aprendemos que o corre-corre que a vida moderna nos impõe não faz qualquer sentido, não nos serve de nada. Tudo perde importância, porque tudo é inútil. A única coisa que podemos fazer é tentar que mantenham a sua dignidade enquanto pessoas e acima de tudo amá-los e fazê-los sentir esse Amor. Porque eles vão esquecer tudo mas o Amor será a última coisa a desaparecer.
Hoje assinala-se o Dia Mundial da Pessoa com Doença de Alzheimer.
Para que ninguém se esqueça que a doença existe.
Ou simplesmente para que ninguém esqueça.
Porque sem memória uma pessoa deixa de o ser.
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inspirado numa crónica de Maria Filomena Mónica (2006)