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Filha da Graça e da Ajuda, nascida na Mouraria, criada em Alcântara, namorada do Tejo e eternamente apaixonada por esta Cidade Branca, para ser ainda mais Alfacinha só me faltava ter sido varina ou, se outro sexo me tivesse sido destinado, tripulante de cacilheiro. Tenho Lisboa por irmã e companheira, mulher doce e destemida no aroma e na paixão, bonita e namoradeira, ciumenta das gaivotas e de quem aqui nasceu, fiel aos seus amores e amante inconstante que acolhe no peito todos os que morrem de paixão.
Esta noite é de Santo António, Santo António de Lisboa, e se Santo António é de Lisboa, também é meu por direito, confidente e amigo, cúmplice dos sonhos que guardo na cidade onde cresci. E é noite de Lisboa, a Lisboa Antiga, sem Avenidas Novas, Docas ou Parque das Nações. A Lisboa dos Fados sentidos, das ruas estreitas e imperfeitas, das tasquinhas que resistem, das escadinhas que nos consomem o fôlego, dos miradouros inventados só para (a) namorar. Lisboa-menina traquina, que acorda luminosa, sorrindo orgulhosa daquilo que é, Lisboa-mulher que se exibe vaidosa quando a Lua espreita, embriagando-nos os sentidos em vielas perfeitas para juras de amor, envolta no veludo escuro das noites que transbordam desejo e que nos beija os olhos antes de adormecer.
Esta noite é de Lisboa, a Lisboa dos manjericos, da sardinha assada e dos arraiais, das fogueiras e das canções que nunca esquecemos. A Lisboa das marchas populares e dos cravos de papel, das colinas que se transformam em degraus de um trono construído com carinho para um tal de Fernando que aqui nasceu Homem e se fez António, protector das crianças e das moças casadoiras, Santo da nossa devoção mesmo para quem, como eu, nunca encontrou razões para acreditar.
É noite de Santo António e Santo António é de Lisboa, é meu, é de todos os Alfacinhas.
Mas venham, venham todos, que nós não nos importamos de o partilhar.